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NOTA TÉCNICA CONJUNTA – DIREITO DO ACOMPANHANTE E SUA VIOLAÇÃO EM TEMPOS DE PANDEMIA DO COVID-19

Diante da pandemia que estamos vivenciando, os direitos das mulheres durante a assistência ao parto estão sendo relativizados. Em alguns estados brasileiros, o direito ao acompanhante, garantido pela Lei nº 11.108/2005, está sendo mitigado e violado em razão da recomendação de isolamento e redução de aglomeração de pessoas face ao COVID-19.

Alguns locais estão limitando os momentos de acesso do acompanhante, que deveriam abranger acolhimento, trabalho de parto, parto e pós-parto imediato. 

  Trata-se de mencionar que, no dia 20 de Março foi aprovado o reconhecimento do estado de calamidade pública diante da pandemia pelo decreto lei nº 6/2020, onde foi expressamente determinado que tal decretação vale exclusivamente para fins fiscais, referente ao art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, notadamente para as dispensas do atingimento dos resultados fiscais previstos no art. 2º da Lei nº 13.898, de 11 de novembro de 2019, e da limitação de empenho de que trata o art. 9º da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, pela ocorrência do estado de calamidade pública, com efeitos até 31 de dezembro de 2020, ou seja, mecanismos para fugir de regras orçamentárias neste período com um dinamismo social avassalador que estamos vivenciando.

  Estamos diante de uma relativização fiscal, e não na suspensão de direitos em si, principalmente no que se refere a direitos humanos e garantias fundamentais previstas na nossa Constituição Federal de 88.

  De acordo com o Regulamento Sanitário Internacional, que foi ratificado em 30 de Janeiro de 2020, através do Decreto 10.212/2020, em seu Art. 3º traz:

“Artigo 3 – Princípios 

1. A implementação deste Regulamento será feita com pleno respeito à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais das pessoas.” 

  A Organização Mundial de Saúde, logo no início da epidemia, emitiu orientações para assistência ao parto em que consta (https://www.who.int/news-room/q-a-detail/q-a-on-covid-19-pregnancy-childbirth-and-breastfeeding): 

“Todas as mulheres grávidas, incluindo aquelas com infecção confirmada ou suspeita por COVID-19, têm direito a cuidados de alta qualidade antes, durante e após o parto. Isso inclui cuidados de saúde pré-natal, ao recém-nascido, pós-natal e de saúde mental.

Uma experiência de parto segura e positiva inclui:

Ser tratada com respeito e dignidade;

Ter um acompanhante da sua escolha presente durante o parto;

Comunicação clara por parte da equipe de cuidados de saúde materna;

Estratégias apropriadas de alívio da dor;

Mobilidade no trabalho de parto sempre que possível, e escolha da posição para a expulsão.

Se houver suspeita ou confirmação de COVID-19, os profissionais de saúde devem tomar as devidas precauções para reduzir os riscos de infeção para si e para outras pessoas, incluindo o uso adequado de roupas de proteção.”

  Em consonância, encontramos na Lei 13.979/2020, em seu art. 3º, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019: 

“§ 2º  Ficam assegurados às pessoas afetadas pelas medidas previstas neste artigo:

I – o direito de serem informadas permanentemente sobre o seu estado de saúde e a assistência à família conforme regulamento;

II – o direito de receberem tratamento gratuito;

III – o pleno respeito à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais das pessoas, conforme preconiza o Artigo 3 do Regulamento Sanitário Internacional […]”

  O referido direito ao acompanhante foi consagrado como assistência básica ao parto, conforme previsto no item 9, da RDC nº 36/2008, da Anvisa: 

“9. PROCESSOS OPERACIONAIS ASSISTENCIAIS 9.1 O Serviço deve permitir a presença de acompanhante de livre escolha da mulher no acolhimento, trabalho de parto, parto e pós-parto imediato. 9.2 O Serviço deve promover ambiência acolhedora e ações de humanização da atenção à saúde.”

  Portanto, conforme previsto no artigo 5º, da RDC nº 36/2008, da Anvisa, o descumprimento constitui infração de natureza sanitária:

 “Art. 5º O descumprimento das determinações deste Regulamento Técnico constitui infração de natureza sanitária, sujeitando o infrator a processo e penalidades previstos na Lei n. 6.437, de 20 de agosto de 1977, sem prejuízo das responsabilidades penal e civil cabíveis. 

  O direito ao acompanhante se refere ao amparo básico de assistência, que abrange até os planos privados de saúde, conforme previsão expressa da resolução nº 428/2015 da ANS. A lei federal nº 13.979/2020, que dispôs sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, responsável pelo surto de 2019, em momento algum previu que o direito ao acompanhante seria restringido. 

  Não há na referida lei qualquer referência que autorize tal medida. Cumpre destacar que o artigo 7º, da lei federal nº 13.979/2020, dispõe que o Ministério da Saúde possui a atribuição para regulamentar a lei de enfrentamento da emergência de saúde pública: 

Art. 7º O Ministério da Saúde editará os atos necessários à regulamentação e operacionalização do disposto nesta Lei. 

  Conforme a inteligência do artigo, a maternidade não possui qualquer atribuição legal para restringir o direito consolidado das mulheres de obter assistência adequada no momento do acolhimento, trabalho de parto, parto e puerpério. Cumpre destacar que o item 9.3, da RDC nº 36/2008, da Anvisa, enfatiza que os protocolos, normas e rotinas técnicas devem estar em conformidade com as leis e com a evidência científica: 

9.3 A equipe do serviço de saúde deve estabelecer protocolos, normas e rotinas técnicas em conformidade com legislação vigente e com evidências científicas. 

  Em atenção à autonomia dos países, respeitando a realidade sanitária de cada um, bem como a sua capacidade de atendimento, o Ministério da Saúde  emitiu uma nota técnica nº 6/2020-COCAM/CGCIVI/DAPES/SAPS/MS específica no dia 25/03/2020 sobre a Atenção à saúde do recém-nascido no contexto da infecção pelo novo coronavírus SARS-COV-2, em regra, foi recomendado que seja mantida a presença do acompanhante, no caso de pessoa assintomática e de não contato domiciliar com pessoas com síndrome gripal ou infecção respiratória comprovada por SARS-CoV -2 (coronavírus):

“2.6.5. Acompanhantes: garantido pela Lei Federal nº 11.108, de 07 de abril de 2005, sugere-se a presença do acompanhante no caso de pessoa assintomática e não contato domiciliar com pessoas com síndrome gripal ou infecção respiratória comprovada por SARS-CoV-2.”

  A restrição pode ocorrer, excepcionalmente, quando a gestante ou o acompanhante apresentem sintomas e tenham prescrição de isolamento. Caso ocorra a restrição, ela deve ser justificada em prontuário. Neste caso, a prescrição deverá ser acompanhada dos seguintes documentos assinados pela pessoa sintomática:

“I – termo de consentimento livre e esclarecido de que trata o § 4º do art. 3º da Portaria nº 356/GM/MS, 11 de março de 2020;

II – termo de declaração, contendo a relação das pessoas que residam no mesmo endereço, de que trata o § 4º do art. 3º da Portaria nº 454/GM/MS, 20 de março de 2020.não há qualquer menção à restrição da entrada do acompanhante de escolha da gestante. Portanto, qualquer ato normativo das maternidades no sentido de proibir configura ato ilegal, vez que viola o princípio da legalidade administrativa.”

  Nos locais em condição de promoção do distanciamento entre os internados ou com acomodações privativas, recomenda-se a manutenção de acompanhante único, regular, desde que assintomático e não contato domiciliar de pessoa com síndrome gripal ou infecção respiratória comprovada por COVID-19.

  Já nos locais onde os espaços de alojamento conjunto são compartilhados, o Ministério da Saúde sugeriu que fossem suspensas as visitas e a presença de acompanhante, como medida de redução da aglomeração e proteção à mãe e bebê internados.

Ademais, como dito anteriormente, tais maternidades e hospitais não têm atribuição legal para tanto. Cumpre destacar que a recomendação da ANS, em reunião pública realizada no dia 26/03/2020 pela internet, é de que seja permitida a entrada de apenas 1 (um) acompanhante, sendo que deve ser evitado o rodízio de acompanhantes, para evitar a circulação do vírus.

  Resta evidente que, a regra é que o direito ao acompanhante seja mantido, apenas em casos excepcionais e quando não há outra alternativa, ele deve ser restringido, sendo que o isolamento deve ser realizado somente por prescrição médica. Deixar uma mulher em trabalho de parto sem qualquer pessoa ao seu lado que possa lhe dar suporte emocional e segurança é uma violação de direitos humanos e garantias fundamentais.

Não é muito ressaltar que o acompanhante é de livre escolha da mulher, sendo que ela deve escolher alguém que saiba estar assintomático. Para que as mulheres tenham a garantia de que possam ter esse direito respeitado, sugere-se que seja redigido Plano de Parto que preveja tais condições.

É importante ressaltar que é  recomendável constar no plano de parto o tempo em que a gestante está afastada de aglomerações de pessoas, bem como seu acompanhante. Ainda, deve constar se tiveram algum sintoma da COVID-19, para preservar a saúde coletiva. Cumpre destacar que infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa e causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos, é crime tipificados nos artigos 267 e 268, do Código Penal. 

Nós, profissionais técnicos do Direito e da Saúde que assinamos essa nota, recomendamos que as mulheres usuárias do sistema de saúde que tiverem notícias de que não lhes será permitida a entrada de acompanhante no momento do parto, façam a denúncia nos canais oficiais da defensoria pública do seu estado, vigilância sanitária, ouvidoria do hospital, ouvidoria do SUS ou do plano de saúde e MPF – Ministério Público Federal.

Links para denúncias (nacional):

  -Vigilância Sanitária (ANVISA): http://portal.anvisa.gov.br/ouvidoria2

  -Ministério Público Federal (sala do cidadão): http://www.mpf.mp.br/servicos/sac

Nascer Direito – Coletivo Nacional de Advogadas e Profissionais da Assistência ao Parto

Diretoria:

Ruth Rodrigues Mendes Ferreira – Presidente

Laura Gonçalves Cardoso – Vice-Presidente

Valéria Eunice Mori Machado – Diretora Estratégica

Assinam conosco a presente nota:

REHUNA – Rede de Humanização do Parto e Nascimento

PARTO DO PRINCÍPIO – Mulheres em rede pela maternidade ativa

ISHTAR ESPAÇO PARA GESTANTES– Núcleos do Brasil e Núcleo Liverpool

SENTIDOS DO NASCER – UFMG

FENADOULAS – Federação Nacional das Doulas

REDE FEMINISTA DE GINECOLOGISTAS E OBSTETRAS

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO AMAZONAS

HUMANIZA – Coletivo Feminista

FADYNHA – Instituto de Yoga e Terapias Aurora

OAB/GO – Comissão Especial de Valorização da Mulher e Comissão De Direito Médico, Sanitário E Defesa Da Saúde 

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE GOIÁS – Nudem (Núcleo Especializado de Defesa e Promoção dos Direitos da Mulher)

GRUPO PARTO NATURAL – Facebook

PARTO ATIVO BRASIL

EQUIPE MAIÊUTICA

ESPAÇO SER MÃE

    COLETIVO DE JURISTAS FEMINISTAS

    OAB/PB – Comissão de Combate à Violência e Impunidade contra a Mulher 

    UEPB – Grupo de Extensão para Enfrentamento à Violência Obstétrica     CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL – Procuradoria Especial da Mulher

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