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Nota Técnica sobre vacinação de gestantes e doulas

Desde o início da pandemia provocada pelo novo coronavírus, as gestantes
sofrem inúmeras restrições dos direitos que deveriam ser garantidos no parto e no
nascimento. As imposições são genéricas, não obedecem às legislações específicas da
pandemia e da assistência ao parto e nascimento, muito menos foram revisadas, mesmo após
transcorrer um ano de pandemia.

A situação que estava instaurada no começo de 2020, como falta de equipamentos
individuais de proteção (EPIs), inseguranças em protocolos de saúde e ausência de vacinas,
passou por várias alterações, como a suficiência de EPI ́s, desenvolvimento de vacinas e
imunização dos profissionais de saúde e de uma parcela da sociedade.

Além das supracitadas modificações no cenário da pandemia, o Ministério
da Saúde editou a Nota Técnica No 467/2021-CGPNI/DEIDT/SVS/MS, publicada no
último dia 26/04, que incluiu as gestantes e puérperas no plano nacional de vacinação,
um importante avanço na luta pela garantia dos direitos sexuais, reprodutivos e
humanos das mulheres.

Apesar dessas mudanças, que tornaram o momento atual muito distinto daquele
que encontramos em 2020, atualmente, inúmeras maternidades públicas e privadas de todo o
país estão impondo a restrição1 da entrada da Doula ou do acompanhante durante a
assistência gravídico-puerperal, isso de maneira genérica, sem respaldo científico ou legal,
violando a legislação específica referente a pandemia da Covid-19².

A restrição à assistência essencial, com proibição da entrada da doula ou do
acompanhante, contraria as recomendações e leis especiais da pandemia, bem como as
garantias dadas às mulheres durante o parto e mantidas durante este período de
exceção sanitária
.

Ainda, cumpre mencionar as recomendações específicas da pandemia sobre o
COVID-19 (coronavírus) emitidas pela Organização Mundial de Saúde, que garantem os
cuidados de alta qualidade antes, durante e após o parto, bem como uma experiência positiva,
que inclui o direito ao acompanhante, estratégias apropriadas de alívio de dor – que, na
prática, são proporcionadas pela doula -, bem como recomenda medidas de prevenção à
Covid-19 (OMS, 2020):

“Todas as mulheres grávidas, incluindo aquelas com infecção confirmada
ou suspeita por COVID-19, têm direito a cuidados de alta qualidade antes,
durante e após o parto. Isso inclui cuidados de saúde pré-natal, ao

¹ A referida proibição é ilegal e contrária às recomendações da Organização Mundial de
Saúde (OMS), disponível no site:
https://www.who.int/news-room/q-a-detail/q-a-on-covid-19-pregnancy-childbirth-and-breastf
eeding.

² Viola a lei federal no 13.979/2020 que dispõe especificamente sobre as medidas para
enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente
do coronavírus
– responsável pelo surto de 2019/2020.

recém-nascido, pós-natal e de saúde mental. Uma experiência de parto
segura e positiva inclui:
Ser tratada com respeito e dignidade;
Ter um acompanhante da sua escolha presente durante o parto;
Comunicação clara por parte da equipe de cuidados de saúde materna;
Estratégias apropriadas de alívio da dor;
Mobilidade no trabalho de parto sempre que possível, e escolha da posição
para a expulsão.
Se houver suspeita ou confirmação de COVID-19, os profissionais de saúde
devem tomar as devidas precauções para reduzir os riscos de infeção para
si e para outras pessoas, incluindo o uso adequado de roupas de proteção”.
(WHO, 2020).


Para ampliar este debate, é necessário trazer à baila as legislações publicadas em
referência à pandemia, especialmente o artigo 3o, da lei no 13.979/2020, que exemplificou
algumas medidas que poderiam ser adotadas para enfrentamento da emergência de saúde
pública de importância internacional decorrente do coronavírus, e não mencionou
expressamente, em momento algum, a restrição do direito ao acompanhante. Pelo
contrário, o inciso II, do §2o, do artigo 3o, da referida lei, assegurou o pleno respeito à
dignidade, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais das pessoas afetadas
pelas medidas.

Independente do contexto de calamidade pública, deve-se ter limites para
restrições de direitos individuais, de modo a evitar abusos e atos arbitrários. Não é possível
que seja desconsiderada a máxima ordem constitucional do princípio da legalidade, na
medida em que o artigo 5o, inciso II, da Constituição Federal, prevê que “ninguém será
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”
.

Nesse diapasão, cumpre trazer as reflexões dispostas no artigo “Perfil da
judicialização contra a Maternidade Mariano Cândido decorrente da violação do direito ao
acompanhante das parturientes campo-grandenses durante a pandemia”, de autoria da
advogada Valéria Eunice Mori Machado, disponível em
https://drive.google.com/file/d/1TWL28uQxEp31LtLOzwYefLgeL8LkFsCc/view?usp=shari
ng.

Em 1984, foi discutida, na Conferência Internacional em Siracusa, Itália, a
possibilidade de ocorrer restrições aos direitos humanos reconhecidos por uma sociedade
democrática (Machado, 2021). No que fora debatido, concluiu-se que seja possível que, em
defesa da saúde pública, sejam limitados direitos, através de ações permissivas e medidas
para lidar com uma grave ameaça à saúde da população. Todavia, para tanto, as medidas
devem cumprir o princípio da especialidade, da estrita necessidade, publicidade e da
legalidade, além de respeitar as recomendações da Organização Mundial de Saúde

(ReHuNa, 2020).

Nesse sentido, é imprescindível ressaltar que vinte e duas entidades, incluindo
Comissões regionais da Ordem dos Advogados do Brasil e Defensorias públicas, assinaram
uma nota técnica em conjunto, emitida oficialmente pelo Coletivo Nacional de
Enfrentamento à Violência Obstétrica – Nascer Direito. A referida nota trata da interpretação
jurídica das resoluções emitidas pelo Ministério da Saúde durante a pandemia, que
primordialmente concluem que, caso haja restrição ao direito ao acompanhante, em casos
estritamente excepcionais, o isolamento deve ser realizado somente por prescrição médica e
acompanhado por termo de consentimento, portanto, não podendo ser feito de forma genérica
(Nascer Direito, 2020).

Os planos de contingência das maternidades para prevenir a propagação do
coronavírus no âmbito da instituição, em sua maioria, estão em vigor desde o início da
pandemia, época em que não havia vacina, que os profissionais de saúde não estavam
imunizados, que faltavam equipamentos de proteção individual, além de outras barreiras e
incertezas que assolavam a sociedade com maior rigor, assim como havia grande
desconhecimento sobre a Covid-19..

O isolamento generalizado no momento do parto para parturientes que não
adoeceram com a Covid-19 não é uma medida eficaz, além de ser ilegal, e impõe um
sofrimento desnecessário à mulher, que possui direito de ter o auxílio da doula e do
acompanhante de sua escolha, pessoas que são de seu convivio e já estão em contato desde
antes do parto.

O parto é um dos momentos mais delicados na vida de uma mulher, em que esta
se encontra extremamente vulnerável. O apoio físico, emocional e psicológico concedido
pelo acompanhante e pela doula é uma questão de dignidade humana. No contexto da
pandemia, os efeitos benéficos desse acompanhamento podem ser ainda mais
potencializados.

Doulas constam na Classificação Brasileira de Ocupações e, portanto, são uma
ocupação reconhecida de seu ofício prestado; reconhecer a ocupação significa trazer para as
estatísticas de forma fidedigna, inserir formalmente no mercado de trabalho e assim servir de
subsídio para fomento de políticas públicas de emprego.

Os benefícios da doula são reconhecidos amplamente pelos profissionais
humanizados, inclusive pela REDE CEGONHA e pelo MINISTÉRIO DA SAÚDE3.

Em diversos documentos técnicos o MINISTÉRIO DA SAÚDE reconhece a
INDISPENSABILIDADE DA DOULA E DO ACOMPANHANTE, conforme expresso na
página 16 das diretrizes nacionais ao parto normal. De acordo com as evidências científicas, a
doula pode trazer inúmeros benefícios durante o parto, como redução em 50% do índice de
cesarianas, redução em 25% na duração do trabalho de parto, redução em 60% nos pedidos
de analgesia peridural, redução em 40% no uso de ocitocina e redução em 40% no uso de
³ Conforme link: https://www.saude.gov.br/saude-para-voce/saude-da-mulher/rede-cegonha.

fórceps, além de aumentar a satisfação da mulher com a experiência de seu parto (Klaus e
Kennel, 1993). Saliente-se que as mais recentes recomendações da Organização Mundial de
Saúde para assistência ao parto preconizam que se deve buscar que a mulher tenha uma
experiência positiva de parto
(https://www.who.int/reproductivehealth/publications/intrapartum-care-guidelines/en/).
Além disso, o art. 198 da Constituição Federal de 1988, em seu inciso II, dispõe
que o atendimento integral deve dar prioridade às práticas preventivas. Da mesma forma,
quando o dispositivo é analisado conjuntamente com o art. 196, não restam dúvidas que a
saúde, como direito, deverá ser garantida por políticas sociais que visem à redução do risco
de doença e de outros agravos. Visualizando os dados trazidos acerca da atuação das doulas, a
partir de uma análise hermenêutica, observa-se que as doulas são uma ocupação
justificada na Constituição Federal para garantia do mais alto nível de saúde e de um
atendimento integral
.

A Lei 8.080/90, por sua vez, em seu art. 3o, aborda a questão da expressão dos
níveis de saúde, suas condicionantes e determinantes, e em seu parágrafo único traz as ações
que visam “garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e
social”. A Organização Mundial da Saúde conceitua a saúde como “um estado de completo
bem-estar físico, mental e social e não apenas a mera ausência de doença ou enfermidade”.
Negar o acesso da mulher ao serviço prestado pela doula, que é resultado da
liberalidade de sua contratação, significa ferir as garantias fundamentais previstas na
Constituição Federal e negar a atenção à saúde em sua integralidade.
Ora, não se pode
falar em completo bem estar mental, quando se proíbe a assistência de uma profissional,
contratada pela parturiente, que foi preparada e dedicou-se justamente a proporcionar uma
experiência positiva e o bem estar dessa paciente.

A doula é alguém em que a mãe confia e com quem estabelece um importante
vínculo, de afeto e confiança, desde a gestação. A presença da doula, por conseguinte, além
de trazer inúmeros benefícios para a parturiente/puérpera, também proporciona uma melhor
experiência para a equipe de assistência, vez que essa paciente tende a estar mais calma e
orientada, lidando melhor, por conseguinte, com as etapas do trabalho de parto e do pós parto
imediato.

Cumpre esclarecer que a doula é a profissional que proporciona à gestante o
acesso aos meios não farmacológicos para alívio da dor. Ela realiza massagens, banho quente,
aromaterapia, acompanhamento em exercícios de progressão de parto e deambulação, dentre
outras condutas que miram sempre em proporcionar uma experiência positiva de parto para a
gestante. A doula não se confunde com o acompanhante⁴, conforme dispõe o § 2o, do artigo
1o, da lei estadual de Goiás no 20.072/2018 e também reconhecido pelo Ministério da Saúde:
Configura violência obstétrica restringir o direito ao acompanhante, fazer a gestante escolher entre
o pai da criança e a doula, conforme incisos IX e XIX, do artigo 3o, da lei estadual no19.790/2017
.

“A presença das doulas não se confunde com a presença do
acompanhante instituído pela Lei federal no 11.108, de 7 de abril de
2005.”

Da mesma forma, diferentes estados e municípios do país, entendendo a importância
do trabalho das doulas, publicaram suas próprias leis, visando estimular a presença dessas
profissionais no cenário da assistência, reconhecendo-as como um personagem diverso do
acompanhante, e garantir a não violação do direito que assiste às gestantes de tê-las por perto
durante todo o ciclo gravídico puerperal, conforme sua escolha.
Acre (AC), Alagoas (AL), Amapá (AP), Amazonas (AM), Ceará (CE), Distrito
Federal (DF), Goiás (GO), Maranhão (MA), Mato Grosso (MT), Mato Grosso do Sul (MS),
Paraíba (PB), Paraná (PR), Rio de Janeiro (RJ), Rio Grande do Norte (RN), Rondônia (RO),
Roraima (RR), Santa Catarina (SC), Sergipe (SE), Tocantins (TO) são responsáveis pelas leis
estaduais que regulamentam a atuação da doulas, enquanto Ribeirão Preto – SP, Rio de
Janeiro – RJ, Gravataí – RS, Osório – RS, Rio Branco – AC, Rio Grande – RS, Curitiba – PR,
Belo Horizonte – MG, Teresina – PI e Recife – PE publicaram suas próprias leis municipais,
como forma de reforçar a necessidade da integração da doula ao cenário da assistência
materna. (Para mais informações, você pode acessar o site da ReHuna5 para consultar mais
legislações acerca dos direitos das mulheres no parto).

A atividade profissional da doula se enquadra no conceito de atividade
essencial, que, por isso, não pode sofrer restrições em razão da pandemia.6 Conforme
disposto no §1º, inciso I, do artigo 3º, do decreto federal nº 10.282/2020
, a assistência à
saúde, incluídos os serviços médicos e hospitalares, integra o rol de serviços públicos e
atividades essenciais indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da
comunidade. Em interpretação da inteligência deste decreto, toda a atividade de assistência
relacionada ao parto não pode sofrer restrições genéricas e sem respaldo legal. Vide a
inteligência do §§2º e 3º, do artigo 3º, do decreto 10.282/2020:

“§ 2º Também são consideradas essenciais as atividades acessórias, de
suporte
e a disponibilização dos insumos necessários a cadeia produtiva
relativas ao exercício e ao funcionamento dos serviços públicos e das
atividades essenciais
.
§ 3º É vedada a restrição à circulação de trabalhadores que possa
afetar o funcionamento de serviços públicos e atividades essenciais
, e de
cargas de qualquer espécie que possam acarretar desabastecimento de
gêneros necessários à população.”
⁵ http://rehuna.org.br/acervo/legislacao/

⁶ § 2o Também são consideradas essenciais as atividades acessórias, de suporte e a disponibilização dos
insumos necessários a cadeia produtiva relativas ao exercício e ao funcionamento dos serviços públicos e
das atividades essenciais.

Além disso, a preservação dos direitos humanos, que inclui a assistência ao
parto, foi resguardada por força da adesão do Brasil ao Regulamento Sanitário
Internacional
, decreto nº 10.212/2020, conforme previsto expressamente no inciso III, do
§2º, do artigo 3º, da lei federal no 13.979/2020.

Estudos revelam que, quando a mulher está em trabalho de parto, o seu corpo

produz o “Coquetel do amor”⁷ : ocitocina⁸, endorfina⁹ e adrenalina¹⁰, os mesmos
hormônios que são produzidos no momento da relação sexual e que são responsáveis
pela evolução do parto e essenciais para garantir o vínculo afetivo entre a mãe e o bebê.

O bem estar e um ambiente seguro são elementos essenciais para melhor evolução e
desfecho do trabalho de parto.

A presença do acompanhante e a assistência da doula possuem um papel
fundamental e complementar para trazer segurança à mulher no momento do parto, sobretudo
devido ao amparo emocional e psicológico. Por isso, o direito ao acompanhante e à
assistência da doula, que proporcionam meios não farmacológicos de alívio de dor,
foram integrados em nosso ordenamento jurídico como ASSISTÊNCIA
OPERACIONAL BÁSICA ao parto
, conforme disposto no item 9 e SS. da RDC
no36/2008, da Anvisa.

O direito à assistência adequada durante à gestação e ao parto resta claramente
configurado como serviço essencial que não pode ser restringido em razão da pandemia,
incluída aí a assistência pelas doulas. Assim sendo, a proibição da entrada das doulas no
cenário do parto é algo arbitrário e ilegal.

É importante destacar que a maternidade constitui direito social, previsto no
artigo 6º da Constituição da República, e tem proteção especial, conforme o art. 2. XXV, da
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Destaque-se que a referida declaração não
fala de proteção em comum, ela expressa que a maternidade tem direito a CUIDADOS
E ASSISTÊNCIA ESPECIAIS
, o que contempla a justiça, um tratamento diferenciado
para igualar o estado de vulnerabilidade em que se encontra o binômio mãe-bebê.


⁷ LEAL. Conheça os benefícios do parto natural. 03/12/15. Disponível em: https://url.gratis/NDUk3.
⁸ A ocitocina é um hormônio produzido e excretado para que ocorram contrações uterinas que vão favorecer a dilatação do colo do útero.

⁹ A endorfina é o hormônio responsável pelo alívio da dor e pelo bem-estar. É o mesmo hormônio que
liberamos após o ato sexual, quando sentimos aquele bem estar corporal após o orgasmo.

¹⁰ Quando se aproxima do nascimento uma grande injeção de adrenalina é liberada na corrente sanguínea da mulher. Essa adrenalina toda permite que a mulher tenha toda força e vitalidade para colocar seu bebê no mundo. Essa combinação de ocitocina, endorfina e adrenalina, além de outros hormônios também envolvidos no processo, promovem uma sensação imediata de alegria e bem-estar, beneficia mãe e bebê facilitando a criação do vínculo entre ambos, favorecendo a amamentação e reduzindo as chances de “baby-blues”, tristeza materna e depressão pós-parto.

Ademais, conforme orientação preconizada pela Organização Mundial de Saúde,
mesmo durante a pandemia do COVID-19 toda mulher terá direito aos cuidados de alta
qualidade
na assistência ao seu parto, bem como ao acesso a estratégias de alívio da dor.

O apoio emocional, psicológico e físico de um acompanhante de escolha da gestante – que não deve ser restrigindo a alguém do sexo feminino ou necessariamente ao pai da criança -, bem como da doula, serão fundamentais para que ela consiga progredir bem e obter um melhor desfecho e uma experiência positiva no seu parto.

O atendimento de saúde ao parto não se enquadra como atendimento eletivo,
mas sim como serviço essencial, que não pode sofrer restrições. A limitação injustificada
não possui respaldo na razoabilidade e na proporcionalidade e deve ser desestimulada.

Os profissionais de saúde, por sua vez, devem tomar todas as precauções
apropriadas para reduzir os riscos de infecção para si e para outras pessoas, incluindo a
higiene das mãos e o uso apropriado de roupas de proteção como luvas, avental
impermeável, descartável e máscara.

Durante a assistência à saúde, os princípios bioéticos de Autonomia, Não-Maleficência, Beneficência e Justiça devem ser respeitados, bem como os direitos da gestante/puérpera como paciente. Portanto, é um direito da mulher ter o acompanhamento de uma pessoa de sua escolha e acessar meios não farmacológicos e não invasivos para alívio da dor oferecidos pela doula, ao invés de, por exemplo, precisar recorrer à analgesia e, com isso, assumir as possíveis consequências que dela advêm, como a parada de progressão do trabalho de parto.

A imposição para que a gestante escolha entre a doula e o acompanhante,
restrição de direito sem qualquer fundamento, genérica e ilegal, configura violência
obstétrica, por violar direitos sexuais e reprodutivos sem qualquer fundamento legal e
científico. Além disso, a limitação do exercício de direito viola as legislações específicas
que tratam sobre a pandemia do COVID-19.

Outrossim, estando claro que as gestantes e puérperas fazem parte do grupo que
vem sofrendo impactos ainda mais profundos decorrentes da contaminação pelo coronavírus
e considerando que, aliado a isso, não se pode deixar de garantir o seu direito a um
atendimento adequado, humanizado e não solitário, não restam dúvidas quanto à
necessidade da imediata inserção das doulas nos grupos prioritários de vacinação.

Conforme restou demonstrado, as doulas prestam assistência direta durante o todo
o trabalho de parto no parto e no pós parto imediato, ou seja, há frequente circulação dessas
profissionais entre hospitais, clínicas e casas de parto, o que denota uma alta probabilidade de
contaminação e oferece, por certo, riscos às próprias doulas, e seus familiares, e
exponenciais riscos às gestantes.

Considerar a vacinação dos profissionais de saúde, levando-se em conta a sua
exposição aos riscos, e desconsiderar, ao mesmo tempo, tal necessidade para as doulas, é um
ato leviano e irresponsável! Doulas não são um “caso à parte” e todos aqueles que compõem
o ambiente de assistência à saúde, em suas diferentes ocupações e funções, devem ser
incluídos em grupo único, para fins de imunização, até para que se garanta a própria eficácia
da iniciativa.

Destaque-se, ainda, que há um número muito pequeno de doulas em atuação no
Brasil, quando comparado com todos os demais grupos que receberam prioridade na fila da
vacinação, sendo certo que a priorização das doulas não geraria qualquer mudança importante
nas previsões e cálculos inicialmente pensados para a campanha de imunização, em
contrapartida aos potenciais benefícios dessa vacinação para a população em geral, sobretudo
de grávidas e puérperas.

Por estarem em contato direto com as gestantes, as parturientes, os
recém-nascidos e seus familiares – não obstante ao fato, já relatado, de pertencerem ao grupo
de assistência à saúde, sendo, portanto, linha de frente -, as doulas precisam fazer parte do
grupo prioritário da vacinação contra a Covid-19.

Frise-se que, a despeito da inclusão das gestantes e puérperas no plano nacional
de vacinação, através da Nota Técnica no 467/2021-CGPNI/DEIDT/SVS/MS, publicada
no último 26 de abril
, não se pode olvidar que, inicialmente, serão vacinadas apenas aquelas
com alguma comorbidade, de sorte que todas as demais, não portadoras de comorbidades,
permanecerão expostas ao risco de contaminação, até posterior inclusão no plano dos estados
e municípios. Outrossim, as vacinas não possuem eficácia total, além de demandarem a
aplicação de mais de uma dose para garantia de sua eficácia parcial, sendo certo que a
vacinação das doulas se torna fundamental para garantir um ambiente de assistência
efetivamente seguro para esse grupo de risco.

Repise-se que a assistência ao parto é uma atividade essencial e não pode sofrer
restrições durante a pandemia, bem como a presença do acompanhante e da doula são
fundamentais para que se tenha melhor evolução no parto.
Além disso, a garantia do
exercício profissional da doula está previsto nas legislações estaduais antes mencionadas e
a garantia ao direito do acompanhante está consolidado como assistência operacional
básica
, conforme disposto no item 9 e seguintes da RDC no36/2008, da Anvisa.
Notadamente, o direito está garantido pela lei federal no 11.108/2005, artigo 23, da
resolução 428/2017, da ANS, § 6o, do artigo 8o, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Neste espírito de aliança, em cumprimento da função social de nossa profissão,
com respaldo na atuação independente e com destemor, vimos solicitar apoio de mobilização,
reunião pública, posicionamento e articulação no intuito de promover o diálogo coletivo,
sempre em conjunto com toda sociedade – que inclui advogados, mulheres, famílias,
profissionais de saúde e comunidade científica -, em prol da saúde das gestantes e das
garantias de seus direitos no ciclo gravídico-puerperal na pandemia, além de assegurar, com
medidas e atuação efetivas, o direito das doulas de exercer o seu labor de forma segura e

digna, contemplando-se, assim e também, as gestantes e puérperas que serão assistidas por
essas profissionais.

Assim, iremos encontrar soluções justas para os problemas acima relatados com

o objetivo de:

  1. Reforçar a necessidade e inibir qualquer ato contrário à presença das
    doulas nos hospitais, clínicas, maternidades, casas de parto e demais
    instituições de assistência pré-natal, ao trabalho de parto, ao parto, ao
    abortamento e ao pós-parto;
  2. Incluir as doulas nos grupos prioritários do plano nacional de vacinação
    contra covid-19;

Colocamo-nos à disposição de todos para conseguirmos articular e avançar na
garantia dos direitos das gestantes, puérperas bem como das doulas atuantes que prestam essa
assistência essencial e constitucional.

Coletivo Nacional de Enfrentamento à Violência Obstétrica – Nascer Direito

Assinam conosco essa nota:

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Disponível em: < http://rehuna.org.br/acompanhante-no-parto-um-direito-nao-derrogavel-mesmo-em-tempos-de-pandemia/ >. Acesso em:
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atividades essenciais. Decreto 10.282/2020.
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BRASIL, Governo Federal. Convenção Belém do Pará. Decreto no1.973/1994.
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